Refugiar-se

Preto no branco, é impossível não personalizar esta questão. Dá-me um nó no coração abrir o facebook e ver comentários que destilam ódio.

Sou mulher, portuguesa, oriunda de um cruzamento entre um alentejano e uma indiana.

Vivi a minha infância e juventude num subúrbio de Lisboa que, segundo alguns, não é sítio para se ver crescer os filhos. Mas foi lá que cresci e foi lá que aprendi a conviver com gente de todas as cores. Foi no tal subúrbio que aprendi a tolerância por culturas diferentes. Durante o Ramadão, nunca comíamos perto dos nossos amigos muçulmanos, isto na escola secundária, por iniciativa nossa. Ouvíamos kizomba com a mesma naturalidade que sabíamos que mandir significa templo hindu. E nem estranhávamos que na carrinha de um hindu estivesse a imagem de Fátima, pois sabíamos que adoravam vários deuses e há sempre espaço para mais um.

Já sofri na pele discriminação por ter uma cor diferente, por ser monhê. Já fui discriminada por ser mulher. E, pasme-se!, já fui discriminada por ser portuguesa. No meio desta miscelânia, lembro-me que sou PESSOA.

A minha família fugiu de dois conflitos, o primeiro por altura da independência da Índia, quando tiveram que abandonar Moçambique. E recomeçaram a vida em Portugal. Fico feliz por saber que os portugueses que encontraram na altura não são os mesmos portugueses que destilam ódio nas redes sociais.

Ou se calhar até são, mas há 30 anos havia mais pudor em se apregoar pensamentos tão pequeninos.

Se calhar são os que diziam “mas eu vejo-te como um de nós”.

E personalizo, e penso que por acaso até sou de uma família católica, que nasci cá, que não estou a fugir da guerra. Mas e se não fosse assim? Quais seriam as pessoas que estariam dispostas a dar-me a mão?

Não gasto energia a responder. Num rasgo alucinante de inteligência emocional, optei por esconder todas as publicações xenófobas enquanto vou apelando com um discurso de tolerância.

E junto-me a quem quer ajudar. E ajudar é tão fácil, não tem que ser com dinheiro, mas com algo ainda mais precioso: TEMPO. Basta querer, basta encontrar esta força no nosso coração.

Não só pelas pessoas a quem vamos dar a mão… mas por nós, pelos nossos filhos, pelo exemplo que damos sobre a forma como vemos o mundo.

doula

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